Travessa dos Poetas de Calçada

sábado, março 13, 2004


***

o cinema é algo simplesmente humilhante. Atire a primeira pedra quem nunca viu uma cena na telona e desejou que ela acontecesse consigo. O problema é que a nossa vidinha mais ou menos nunca tem a iluminação certa, não é editável, não tem trilha sonora sufocando o som ambiente, nem um grand finale na hora H.

Hoje mesmo, ouvindo "I wanna be sedated", dos Ramones, me deparei com a frase: "...nothing to do, nowhere to go...I wanna be sedated!...", ao mesmo tempo de uma batida punk rock insuportavelmente boa. Fiquei pensando: isso num filme acaba com a cabeça de alguém! Me deixem exagerar, porque essa música dava uma boa cena de tédio (se é que já não deu), daquelas de filminho adolescente, com um carinha se retorcendo na poltrona e mofando em casa por causa de algum fato com importância crucial no roteiro e que tem, agora, suas conseqüências mostradas. P***, como assim? Até uma cena deprimente vira emocionante no cinema. Isso, sim, é humilhante. Devia vir com uma tarja: "Atenção! Não tente fazer isso em casa!" - os danos psicológicos seriam irreversíveis.

É claro que, de tudo isso, dane-se aquela história de reflexão sobre o cinema realidade, cinema verdade blá blá blá... Não tenho pretensão nenhuma nem desejo de que essas cenas com emoção superfaturada sejam abolidas dos filmes. Pelo contrário; se ele existe e consegue tornar mais interessante algo banal, que bom. Pelo menos em parte. Ou pelo menos talvez na tela a gente perceba coisas imperceptíveis na vida real. Será? Vai saber.

Nosso único consolo é que, ao repetir a cena na vida real, o roteiro não fica ridiculamente previsível.

***